Analogia do avião

Quando eu era moleque e estudava para tirar o meu brevet, tínhamos uma matéria chamada Navegação Aérea. Essa matéria causava pavor nos alunos justamente porque, na prova teórica do DAC (hoje ANAC), tínhamos um exercício de navegação que era responsável por bombar boa parte dos candidatos (e muita gente bombava). A coisa levava certo tempo, pois todos os cálculos tinham de ser feitos na unha. Os milicos não perdoavam, e o tempo para fazer a navegação era curto (além de responder uma porrada de outras questões sobre meteorologia, mecânica, regras de tráfego aéreo, etc). E errar era muito fácil. O “computador” de bordo não tinha bateria nem funcionava com energia. Era no dedo, no lápis com apoio de um computador de bordo manual (pense num pequeno trambolho, uma espécie de “ábaco para aviação”… eu usava um Jeppesen E6B, um clássico).

A navegação aérea, como o nome sugere, consiste em planejar o voo, da decolagem ao pouso. Numa prática destas, um dos primeiros passos é calcular o consumo de combustível até o “TOC” – top of climb, ponto que simboliza a transição entre a subida e o voo dito “de cruzeiro”. O lance é fazer o cálculo do gasto de combustível de acordo com a altitude. O consumo varia de acordo com a pressão atmosférica, entre outros fatores. Além disso, deve-se calcular o tempo estimado para completar a subida até o TOC, que pode variar de acordo com regimes de potência, variação de pressão atmosférica, etc. Um planejamento de voo perfeito não existe, pois é impossível considerar os n fatores e variáveis envolvidos. Pense na quantidade de variáveis e mudanças existentes na atmosfera, por exemplo. Dá para prevê-las?… Obviamente não. Ainda sim, para qualquer voo, para qualquer avião, o planejamento deve existir, obrigatoriamente. Algumas constantes básicas e conhecidas, tais como razão de subida, tipo de combustível utilizado, pressão ao nível do mar (dada pelo último METAR) e outras coisas que eu devo ter esquecido devem ser consideradas antecipadamente. Em outras palavras: mesmo em um ambiente caótico, cheio de variáveis imprevisíveis e desconhecidas, é uma boa coisa seguir alguns rituais e fazer algum planejamento.

No aeroclube (e no auge dos meus 17 anos) fazer um plano de voo completo era tarefa tediosa e sacal. Eu gostava mesmo era de encher o tanque do PA18 (um aviãozinho delicioso que me faz sonhar até hoje), ligar o motor, taxiar e flanar sem rumo, apenas curtindo o visual e a sensação de controle sobre a máquina… Flanar sem rumo, ao sabor dos ventos, era a maior diversão possível para um adolescente tímido e meio nerd como eu. Mas e se eu quisesse chegar a algum lugar? Se eu quisesse sair do aeroclube que estava e ir até outro, em outra cidade? E se eu tivesse que ter um objetivo, uma meta? Na verdade, eu até poderia ver a questão olhando um pouco além do destino, da meta e/ou objetivo. Eu poderia pensar em segurança, por exemplo. Ao contrário de se dirigir um carro, em um avião (qualquer um), caso algo dê errado, você não pode simplesmente parar, encostar, desligar o motor e descer, com os pés firmes no chão. Ao tirar o avião do chão, é bom você já ter alguma ideia de como vai fazer para colocá-lo de volta, seja de onde você saiu, onde pretende chegar ou alguma coisa no meio do caminho…

Empresas, Aviões, Projetos e Voos

Empresas podem ser vistas como aviões, em certo ponto. Projetos, podem ser vistos como voos, também em certo ponto. Foi-se o tempo sintetizado pelo slogam: “remember when flying was dangerous and sex was safe”… Pilotos viraram gerentes de uma máquina complexa, que deve ser gerenciada corretamente, para segurança dos passageiros e lucratividade de uma empresa aérea (as vezes essa ordem se inverte, mas isso é uma outra história).

Em empresas de TI, em especial aquelas que dependem (ou são voltadas) para o desenvolvimento de software, tenho visto uma série de tentativas sofisticadas para justificar a ausência de qualquer planejamento. Diz-se que, como tudo muda o tempo todo, qualquer forma de planejamento tradicional é perda de tempo. Fala-se em Teoria do Caos, em Sistemas Complexos, em Emergência e afins. Tenho visto também ataques carregados de ironia e exemplos de falhas (esquecendo-se convenientemente dos sucessos) à metodologias, processos e ideias de organização de trabalho, inclusive os frameworks ágeis mais clássicos (e “amarrados”) como Scrum, como se fosse possível passar de um estado de caos e/ou de rigidez diretamente a um estado de “nirvana ágil” num estalar de dedos.

Voar por diversão

Um tipo de voo particularmente divertido, onde existem poucas coisas a se considerar – do ponto de vista de custo, destino, conforto e até mesmo segurança – é o voo de planadores. Voar a vela é sensacional, é belo. Uma experiência única. Um planador tem pouquíssimos instrumentos em seu painel, em grande parte porque você está ali para voar, não para apertar botões, seguir check-lists ou um plano de voo estabelecido. Você está ali para satisfazer unicamente você e seu desejo de liberdade, de flanar. Voa-se pelo simples prazer de voar, respeitando apenas regras locais e básicas. Tem-se apenas um manche, dois pedais e o ar passando pela asa. É física pura, é poesia. Pode ser visto até como arte, para aqueles que tendem a comparar qualquer atividade intelectual como “arte”. Contudo, no voo à vela, salvo raríssimas exceções, você decola com auxílio de um avião e volta ao mesmo lugar de onde saiu…

Voar por obrigação

Agora pense e um 737 com 190 passageiros a bordo. Vá um pouco mais longe e pense numa companhia aérea que tem vários 737s, 757s, A320s, etc no ar. Experimente falar que processos e check-lists são inúteis. Vá além: experimente dizer isso para os passageiros destes aviões, clientes da sua companhia aérea. Diga que tudo o que se conhece sobre gestão e/ou desenvolvimento de software (seja “ágil” seja “tradicional”) está errado, pois o mercado de aviação, o preço do querosene, a natureza da atmosfera e uma série de outras questões são dinâmicas demais para qualquer tentativa de controle/previsibilidade… Já imaginou dizer, depois de decolar, que você ainda não sabe muito bem onde e quando vai pousar, mas que em algum momento você vai fazer isso, de alguma maneira. Na sequência, experimente dizer que você, piloto de uma empresa de aviação “startup”, decidiu que para estar preparado para “pivotar” a qualquer momento, que você vai ficar dando umas voltas por aí, sem compromisso, até que um destino seja definido, ao sabor das ocasiões e oportunidades. Faça isso de preferência usando explicações sofisticadas, apelando para teorias exóticas e/ou de escala planetária/universal… Oras, todos deveriam saber que pequenas variações (ventos na hora da decolagem ou em rota, por exemplo) tendem a levar a resultados (e destinos) imprevisíveis, e que por isso pouco adianta planejar ou dizer onde o avião vai pousar… Mostre uma foto de um pedaço do A330 da Air France que sumiu no meio do atlântico e dê uma risadinha como quem diz: “viram no que dá?”… Esses caras planejavam, mas mesmo assim caíram no meio do oceano por conta de uma anormalidade atmosférica…

Sobre o Caos e “arte” de voar e administrar

Com o popularização do Agile no país e também da idéia de que é possível associar a Teoria do Caos à gestão de empresas, tenho visto muitos gurus falando coisas que me deixam arrepiado. Normalmente eles seguem alguns padrões argumentativos. O primeiro, é o que prega que empresas em geral, em especial das de TI, são organismos complexos, e que que por isso, devem ser vistas e geridas sob uma regra/ordem diferente da tradicional. Devem ser analisadas sob a ótica da Teoria do Caos, por exemplo. Para os defensores desta linha, estar no limite entre a ordem e o caos (“The Edge of Chaos”) é condição necessária para que uma empresa seja criativa, para que cresça, saia de uma velocidade “normal” e passe para uma velocidade “diferenciada”. Em suma, é condição necessária para uma empresa ter sucesso, ser inovadora. Eu discordo. Se você parar para pensar, a maioria das organizações situam-se nesta exata posição limítrofe (quem aqui não trabalhou, trabalha ou conhece uma empresa, grande ou pequena, que era uma verdadeira zona?), e mesmo assim, inúmeras falham. Eu inclusive diria que, ao contrário, estas falham cada vez mais à medida que ficam mais próximas do caos do que da ordem. Na minha opinião, empresas que fazem sucesso ou fracassam não o fazem por estarem dentro ou fora do limite do caos, nem são tão influenciadas por isso, pelo contrário. Competência, sorte e timing, por exemplo, influenciam o sucesso ou fracasso muito mais que um simples “estado” das coisas. Talvez estar no limite do caos e ordem seja o “estado” mais adequado para que regras e ordem emerjam, dando lugar a uma nova ordem, melhorada e revisada. Noto, contudo, que a tendência é sempre pela ordem. Por isso, buscar a ordem, mais do que buscar o caos, é fundamental. Em algumas empresas não existe tempo para que o sistema se auto-organize da forma como acontece na Natureza, por exemplo. Aliás, o exemplo de seleção natural é usado com frequência para dar crédito a essa vertente de pensamento “caótico” (toda vez que alguém usa a analogia de seleção natural para empresas eu imagino Darwin se remexendo de raiva em seu caixão)… Na escala de tempo de uma empresa, não há tempo para que as regras sejam estabelecidas sozinhas. Não faz o menor sentido comparar a escala de tempo (e as variáveis existentes) de uma empresa ou mesmo de uma vida humana com às existentes na Natureza, com a escala de tempo natural (pense em éons, eras e afins). Em aviação de médio e grande porte, assim como em empresas, devem prevalecer processos, check-lists, comunicação (que pode significar documentação, para horror de alguns), procedimentos e regras bem definidas – de preferência inteligentes, simples e seguras. Voe regido pelo caos, ou mesmo no “limite do caos” e você poderá fazer algumas coisas surpreendentes, mas certamente perderá passageiros por atrasos e ineficiência. “Voe” assim e provavelmente você verá seu dinheiro correndo para o ralo (ou, se preferir, pelo fuel dumper)…  No Caos você até pode encontrar uma ordem, um padrão, mas isso talvez vá levar o mesmo tempo que levou para que cardumes pudessem caçar em conjunto (e eficientemente), sem seguir um “plano”. Eles levaram milhões de anos, várias tentativas e erros, várias gerações e, principalmente, vários indivíduos, que se sucederam (nasceram e morreram), na dança da evolução natural, para atingir este estágio sublime. Quanto tempo você precisa para que a sua empresa se (auto) organize? Quanto tempo ela terá para encontrar uma ordem e encontrar colaboradores dotados do nível de comprometimento necessário para que isso aconteça? Uma andorinha morre se não estiver comprometida com seu grupo, se não se inserir, se não auto-organizar com este. Será que o mesmo se aplica a funcionários, na escala de tempo de uma empresa? O comprometimento é outro, a entropia idem.

O segundo padrão de argumentação é aquele que diz que tecnologia, em especial desenvolvimento de software, é uma atividade artística (mesmo quando é feita dentro de empresas). Eu acho esta comparação pretensiosa, no mínimo. Se eu pudesse fazer uma comparação sobre programação com outra atividade intelectual, talvez usasse o Jornalismo. Um jornalista, quando escreve um texto, uma reportagem ou qualquer outro conteúdo em qualquer mídia, pode sim imprimir seu estilo pessoal, seu “toque” e afins. Entretanto, ele normalmente estará sempre comprometido com a data de entrega da matéria, em primeiro lugar. Afinal, a edição de domingo não vai esperar ele terminar para ser impressa e ganhar as ruas… Em aviação, atendimento ultra-personalizado, poltronas de couro de antílope do himalaia, soluções inovadoras de embarque, ideias geniais de serviço e entretenimento a bordo, aeromoças bonitas e simpáticas, pilotos simpáticos e engraçadinhos em seus speeches, são muito importantes. Contudo, antes de oferecer isso, você deve se preocupar em oferecer primeiro o que é prioritário neste caso: levar o passageiro para o seu destino, no tempo e no horário escolhido por ele, com margens mínimas de atraso.

Seguir processos e ter métodos não significa impossibilidade de mudar, não significa ir contra a inovação, deixar de ser ágil, ser estático ou qualquer coisa do gênero. Significa, simplesmente, tentar (e conseguir, quando possível) manter a ordem ao invés do caos, mesmo que este estado de ordem seja temporário, até que uma nova ordem, um novo produto, prática, etc, esteja pronto para escalar… (ou voar). Afinal, os passageiros não estão interessados em esperar você bolar, enquanto voa e gasta combustível, um jeito novo e revolucionário de pousar o avião. Ou então, que o pouso seja mera obra do acaso (ou da “ordem emergida do caos”, se você preferir).

Ordem e Processos versus Caos e a Arte

Um 737 não é uma obra de arte ou uma “peça” artística e artesanal. Um 737, assim como uma empresa, não é regido pela Teoria do Caos. Um 737 é um amontoado de alumínio, fios, materiais compostos, aviônicos, sensores, regras e check-lists burocráticos. E ele é assim por uma boa razão, e ele funciona por uma boa razão. Sim, aviões caem de vez em quando, empresas quebram de vez em quando, projetos idem (em maior ou menor quantidade). Entretanto, isso não é motivo para descartar, tampouco invalidar métodos ou processos consagrados como (pense em qualquer coisa: ITIL, Scrum, etc) – mesmo que você os adote parcialmente. Muito menos é motivo para satirizar e polemizar com bobagens do gênero: “agile é coisa de moleque”, “adultos não fazem DevOps”, etc… algo que me soa mais ou menos como: “meu pau é maior que o seu” e variações infanto-adolescentes do gênero… Então, da próxima vez que for voar um teco-teco, não diga que você não quer fazer um plano de vôo por que é burocrático e não vai funcionar. Ou então, que os planos de vôos existentes só servem para aviões do porte do 737, e que um teco-teco não vai se beneficiar em usar um. Não é bem assim. Você sabe que não precisa usar ITIL de cabo-a-rabo, da mesma maneira que você não precisa voar um teco-teco usando Lorenz, VORs, DMEs, Tacans, Glonass, ILS, WAAS, sistemas hiperbólicos (a sopa de letrinhas vai longe)… Contudo, você precisa sim, seguir algumas regras e criar (e buscar) alguns padrões. E da próxima vez que for voar, rumo a algum congresso cheio de gurus, agradeça a existência de processos e práticas consagradas… afinal, “adultos” voam em aviões, não em maquetes e/ou projetos que ficaram na planta das fábricas da Boeing e/ou Airbus… 😉

Não estamos mais na era da aviação de ouro, dos vôos à arco e flecha, da aventura. It’s better to be down here wishing you were up there, than up there wishing you were down here.


Ode ao desenvolvedor…

Compaixão e união meus caros. Um dia seremos reconhecidos!

E você? Já recebeu um abraço hoje? Então sinta-se abraçado!


Lei Áurea…

Lula sanciona mudanças na Lei do Estágio

Será que as farras vão diminuir ou as empresas vão continuar encontrando maneiras de fazer o “bem bolado” tão conhecido (contratar um “estagiário” para fazer o trabalho de um analista, as vezes dois ou três)… ?


Dia mundial sem carro: vestiários e chuveiros nas empresa já!

Como ficar sem carro numa cidade que não oferece um sistema de transporte público minimamente aceitável? Eu adoraria (repito: ADORARIA) ficar sem carro (já pensou a economia com IPVA, manutenção, seguro, etc – sem falar no próprio carro?), entretando não consigo andar de ônibus em São Paulo. Não há melhora na qualidade de vida (incluindo as horas perdidas no trânsito, a emissão de CO2, etc) que justifique ficar de pé, sendo esmagado de um lado e de outro, suando e se esfregando (e sendo esfregado) em gente que você não conhece. Os ônibus em São Paulo são em número insuficiente, custa caro (R$ 2,30) e é muito desconfortável. Não dá para tomar um ônibus lotado de manhã e chegar no trabalho cansado (porque você teve que ir de pé e se pendurando nas barras para as pessoas passarem), suado e sujo. Simplesmente não rola.

Se a cidade não tem uma malha de metrô grande o suficiente, que tenhamos um maior número (e oferta de acentos) nos ônibus. Entretanto para as empresas que operam o sistema, o importante é colocar o maior número possível de passageiros por “carro” (é como eles chamam os ônibus). Assim maximiza-se o lucro. Desconforto? Que desconforto? Cobrador e motorista estão bem confortáveis em suas poltronas, seguindo as ordens da empresa: coloque o maior número possível de passageiros em cada viagem, nem que eles tenham que ficar espremidos e esperando horas por um único “carro”. Isso sem falar nos mini-ônibus, pilotados por loucos e entulhados até o teto (se for com apenas uma porta então, nem se fala). Simplesmente inutilizável por uma questão de segurança e saúde (incluindo mental). É por estas e outras que qualquer pessoa de bom senso, capaz de juntar uns 5 mil reais, compra um carro. Pode ser usado, pode ser fodido, mas pelo menos alí ele tem alguma dignidade e espaço, além de controlar o próprio horário, nem que seja para ficar preso três horas no trânsito.

Por estas e outras é que eu acho que não faz o MENOR sentido estabelecer um dia “sem carro” numa cidade como São Paulo. Antes de propor um dia desses, que tal propor o dia do “transporte público de qualidade”? Impostos não faltam, a gente paga mundos destes (inclusive nas tarifas).

Bicicletas? Excelente idéia, desde desde que seja a uma distância razoável, e que você possa chegar no seu trabalho, tomar um banho, trocar de roupa e começar um dia de trabalho limpo. Quantos conhecem escritórios que oferecem um vestiário para seus funcionários (não estou falando de fábricas)? Pois é… se você trabalha em um escritório e pode ir de bicicleta, que tal reivindicar um chuveiro e um vestiário? Tenho certeza que custa muito barato e a sua empresa poderá se gabar por estimular uma melhora na qualidade de vida da cidade e dos seus próprios funcionários.Aí é só tomar cuidado para não ser atropelado nas ruas…

Por todos os lugares por onde passei reivindiquei a instalação de um chuveiro e um local para se trocar. Em nenhuma das vezes eu consegui (apesar de saber que existem empresas dignas o suficiente para pensarem e implementarem isso). Depois a família não entende porque eu quero comprar uma lambreta…


Cuidado, Trabalho!

Último livro de Thomaz Wood Jr., professor da FGV que escreve deliciosamente bem sobre administração de empresas e outros assuntos correlatos.

CUIDADO, TRABALHO!


Resenha Peopleware: Productive Projects and Teams

Peopleware: Productive Projects and Teams é um livro e tanto. Eu já havia ouvido ótimas recomendações sobre o livro e estou aqui para confirmar sua qualidade. O título já dá pistas sobre o mote principal do livro: times e projetos produtivos, mas adivinhe só de qual indústria o livro trata: da indústria de fábrica de softwares. E fábricas de softwares são feitas de que? Enganam-se os que dizem tecnologias de ponta e de linguagens de programação.

As palavras em inglês que possuem o sufixo “ware” são de três tipos: as que definem um tipo de licença de um programa de computador (por exemplo: freeware), as que agrupam elementos por sua função (spyware ou tupperware, por exemplo) e as que definem a composição de um determinado elemento (exemplo: glassware).

Peopleware é um termo do terceiro tipo, de elementos que são feitos de pessoas. E não por acaso o livro tem esse nome, afinal uma das, se não a principal mensagem do livro é de que fábricas de softwares e seus projetos são feitas de pessoas, e este é o elemento mais importante da construção de um software. Sempre.

Você conhece muitos programadores que trabalham escutando música com fones de ouvido? E eles trabalham assim para se defenderem do barulho do escritório? Bem, o lado do cérebro que escuta música é o mesmo lado capaz de ser criativo, então se as pessoas são obrigadas a trabalhar escutando música para terem um pouco mais de sossego, é presumível o que acontece com as atividades que demandam criatividade.

No livro essa e outras situações recorrentes em ambientes de desenvolvimento são abordadas, do início de um projeto, em sua estimativa de prazo, até o famigerado e recorrente “overtime” para viabilizar a entrega na data estimada.

Logo no começo os autores provam que a maioria dos problemas de nosso trabalho não é de natureza tecnológica, e sim de natureza sociológica. Ter a última tecnologia ou bugs em sua linguagem de programação não são páreos para problemas de comunicação, falta de motivação ou desentendimentos.

Desenvolvedores podem e devem ler este livro, não apenas para se informar, mas também para criar a consciência que podem ser agentes de mudança na empresa. Se você é um gerente (e principalmente se passa a maior parte do tempo cobrando as pessoas ao invés de ajudá-las a fazer o trabalho), leia o livro – pelo menos duas vezes – e faça algo a respeito, pelo bem dos que trabalham com você, e naturalmente para seu próprio bem.


O líder que destrói

Leituras recomendadas: O líder que destrói e É preciso acabar com os “babacas” no trabalho. Se você gostar (como eu), poderá se aprofundar no assunto lendo o livro Chega de Babaquice! (título mal traduzido de “The No Asshole Rule”) escrito por Robert Sutton.


Trabalho em equipe


Conto do Consultor Invisível

João é um analista de sistemas e trabalha em uma grande empresa. Ele não tem um escritório, não tem um telefone fixo e não conhece muitos colegas da sua empresa. Ossos do ofício, afinal ele é um consultor móvel. De vez enquanto está na sede da empresa, fazendo atividades burocráticas, e depois passa meses sem ir lá, passando longas temporadas em clientes.

João é uma peça de quebra-cabeça intercambiável, uma carta coringa que pode ser encaixada e desencaixada em um jogo de baralho. João é visto simplesmente como um recurso. Um recurso humano.

Uma linha na folha de pagamento, uma vaga na garagem, um crachá pelas empresas que passa. Muitas vezes ele figura em cronogramas, junto com outros elementos de mesma natureza modular carinhosamente chamados de “recursos”: tempo, dinheiro, e João. Ah, os gerentes de projetos não vivem sem eles!

Por onde João passa ele deixa sua marca. Ele adora seu trabalho e sempre o faz com muito empenho e profissionalismo. Ao final do projeto as pessoas lamentam a partida de João para outra jornada rumo ao desconhecido, pois todos admiram seu trabalho.

Mas certa vez ocorreu diferente. Recentemente João foi desplugado de onde estava trabalhando e alocado em um outro cliente. No dia e hora marcados João chega sorridente e de barba feita ao seu novo cliente, sua nova estadia matutina.

Apresentou-se na recepção e pediu para falar com o Gerente de Tecnologia, o seu contato. A Recepcionista pediu para ele sentar-se na sala de espera, e poucos minutos depois o informou que ele não estava. “Ué…” – espantou-se João, certo que hoje era o dia marcado. Pediu então para falar com o Assistente do Gerente do TI, seu outro contato na empresa. Alguns minutos depois a Recepcionista volta e diz: “Lamento, mas ele também não está”. “Oras bolas!”, pensou João. Ele explicou sua situação à compreensiva recepcionista que foi fazer mais algumas ligações para tentar ajudar.

Certo tempo depois apareceu um rapaz (que nesta história não tem cargo nem nome pois não se apresentou ao João!), pediu para João acompanha-lo, apresentou sua mesa, certificou-se que a Internet estava funcionando e foi embora. João checou seus e-mails, leu o jornal, e nada de alguém aparecer. Imaginem a angústia de João, coitado, que só queria trabalhar!

Ao final da tarde João viu o Gerente de Tecnologia e o Assistente pelas bandas do escritório, mas não foram falar com ele. No dia seguinte, a mesma coisa: passavam por João mas não falavam com ele. Sempre pedia para a gentil Recepcionista comunicar sua chegada, mas nada. E assim foi por dias! João, que só queria mostrar seu bom trabalho, estava fadado ao isolamento de sua mesa!

Certo dia, cansado de ser ignorado, ao chegar ao escritório João ligou seu notebook, tirou os sapatos, sacou e acendeu belo charuto cubano da região de Vuelva Abajo. Calmamente colocou os pés sobre a mesa e começou a degusta-lo. Mais parecia uma chaminé, baforando fétidas bolas de fumaça pelo escritório. “Quem é esse louco?” perguntavam os que durante os últimos dias sentaram próximos de João e nunca tinha notado o consultor. “Hei meu chapa, apaga isso aí, pô!” polidamente pediam.

Não demorou muito até que o esbaforido Gerente de Tecnologia chegou e começou a criticar o ato, pedindo para João parar, que eu estava desperdiçando tempo de trabalho, que aquilo era uma afronta aos bons costumes e totalmente inadequado para o ambiente corporativo!

“Afronta aos bons costumes..” – João começou – “é ninguém ter me apresentado por aqui. Desperdício..” – e lá se foi mais uma baforada – “é você ter pago uma fortuna para eu estar aqui e não ter vindo falar comigo. E inadequado é você, que me ignorou durante as últimas semanas, ser considerado Gerente. Oras bolas, eu precisei fumar um charuto no seu escritório para você me dar atenção!”

Moral da história: Profissionais de Tecnologia da Informação vão todo o dia com seu corpo para o escritório e inevitavelmente levam seu cérebro consigo. Fazê-los usar o cérebro (sem nenhum custo adicional) é responsabilidade sua.


Sobre gastos supérfulos

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A tirinha não é tão absurda não… acontece mais do que imaginamos. Muitos de vocês sabem.