Conto do Consultor Invisível

João é um analista de sistemas e trabalha em uma grande empresa. Ele não tem um escritório, não tem um telefone fixo e não conhece muitos colegas da sua empresa. Ossos do ofício, afinal ele é um consultor móvel. De vez enquanto está na sede da empresa, fazendo atividades burocráticas, e depois passa meses sem ir lá, passando longas temporadas em clientes.

João é uma peça de quebra-cabeça intercambiável, uma carta coringa que pode ser encaixada e desencaixada em um jogo de baralho. João é visto simplesmente como um recurso. Um recurso humano.

Uma linha na folha de pagamento, uma vaga na garagem, um crachá pelas empresas que passa. Muitas vezes ele figura em cronogramas, junto com outros elementos de mesma natureza modular carinhosamente chamados de “recursos”: tempo, dinheiro, e João. Ah, os gerentes de projetos não vivem sem eles!

Por onde João passa ele deixa sua marca. Ele adora seu trabalho e sempre o faz com muito empenho e profissionalismo. Ao final do projeto as pessoas lamentam a partida de João para outra jornada rumo ao desconhecido, pois todos admiram seu trabalho.

Mas certa vez ocorreu diferente. Recentemente João foi desplugado de onde estava trabalhando e alocado em um outro cliente. No dia e hora marcados João chega sorridente e de barba feita ao seu novo cliente, sua nova estadia matutina.

Apresentou-se na recepção e pediu para falar com o Gerente de Tecnologia, o seu contato. A Recepcionista pediu para ele sentar-se na sala de espera, e poucos minutos depois o informou que ele não estava. “Ué…” – espantou-se João, certo que hoje era o dia marcado. Pediu então para falar com o Assistente do Gerente do TI, seu outro contato na empresa. Alguns minutos depois a Recepcionista volta e diz: “Lamento, mas ele também não está”. “Oras bolas!”, pensou João. Ele explicou sua situação à compreensiva recepcionista que foi fazer mais algumas ligações para tentar ajudar.

Certo tempo depois apareceu um rapaz (que nesta história não tem cargo nem nome pois não se apresentou ao João!), pediu para João acompanha-lo, apresentou sua mesa, certificou-se que a Internet estava funcionando e foi embora. João checou seus e-mails, leu o jornal, e nada de alguém aparecer. Imaginem a angústia de João, coitado, que só queria trabalhar!

Ao final da tarde João viu o Gerente de Tecnologia e o Assistente pelas bandas do escritório, mas não foram falar com ele. No dia seguinte, a mesma coisa: passavam por João mas não falavam com ele. Sempre pedia para a gentil Recepcionista comunicar sua chegada, mas nada. E assim foi por dias! João, que só queria mostrar seu bom trabalho, estava fadado ao isolamento de sua mesa!

Certo dia, cansado de ser ignorado, ao chegar ao escritório João ligou seu notebook, tirou os sapatos, sacou e acendeu belo charuto cubano da região de Vuelva Abajo. Calmamente colocou os pés sobre a mesa e começou a degusta-lo. Mais parecia uma chaminé, baforando fétidas bolas de fumaça pelo escritório. “Quem é esse louco?” perguntavam os que durante os últimos dias sentaram próximos de João e nunca tinha notado o consultor. “Hei meu chapa, apaga isso aí, pô!” polidamente pediam.

Não demorou muito até que o esbaforido Gerente de Tecnologia chegou e começou a criticar o ato, pedindo para João parar, que eu estava desperdiçando tempo de trabalho, que aquilo era uma afronta aos bons costumes e totalmente inadequado para o ambiente corporativo!

“Afronta aos bons costumes..” – João começou – “é ninguém ter me apresentado por aqui. Desperdício..” – e lá se foi mais uma baforada – “é você ter pago uma fortuna para eu estar aqui e não ter vindo falar comigo. E inadequado é você, que me ignorou durante as últimas semanas, ser considerado Gerente. Oras bolas, eu precisei fumar um charuto no seu escritório para você me dar atenção!”

Moral da história: Profissionais de Tecnologia da Informação vão todo o dia com seu corpo para o escritório e inevitavelmente levam seu cérebro consigo. Fazê-los usar o cérebro (sem nenhum custo adicional) é responsabilidade sua.


6 Comments on “Conto do Consultor Invisível”

  1. Muito boa crônica Fabio, as metaforas bem colocadas e tudo faz o maior sentido.

    Curti muito mesmo.

  2. Marcos Arruda disse:

    hahaha! Excelente!

  3. Daniel Passos disse:

    Muito boa!

  4. Fábio Telles disse:

    Hum…. preciso arrumar uns charutos…

    Gostei mesmo da história, muuuuito bacana!

    []s

  5. André Toshio Miyamoto disse:

    Muito bom o seu Conto, moço.Excelente texto, além de muito criativo demonstra a “frieza” humana.

  6. Tagôre Cauê disse:

    Falou e disse… Muito bom o texto.