Meu processo contra a Dell

Em 25/09 de 2005 meu telefone toca. Era o Jean, um amigo de infância. Do outro lado da linha o Jean me diz: “Alex, ou a Dell pirou ou site da Dell tá com algum pau. Tem um PC assim assado que está custando 1,7 mil reais. Corre porque eles podem fechar a promoção ou corrigir cagada a qualquer momento”. Desliguei o telefone e entrei no site da Dell, achando que eu já tinha perdido a bocada. Ledo engano, lá estava ele: um lindo OptiPlex 620 com 1GB de RAM DDR2, 80Gb de disco SATA, e o mais sensacional: equipado com um Intel Pentium 4 670 (3.80GHZ, 2MB cache e FSB 800MHz), simplesmente o processador top de linha da Intel. O preço? Bem… Com Windows XP Professional incluso, sem monitor (quem se importa?!) e com DVDRW na faixa: R$ 1.744,68 (lembre-se, isso foi em 2005, antes dos incentivos fiscais do governo, com o dólar lá em cima…). Não demorou um minuto eu já tinha preenchido o cadastro, fornecido o número do cartão de crédito, pago e recebido a confirmação da compra por email. Na seqüência (depois de ter “garantido” o meu), liguei para o meu pai e para o meu irmão. Ambos compraram também, com variações pequenas na configuração. Durante o dia fiquei sabendo que inúmeras outras pessoas também compraram o dito cujo e o assunto vazou para fóruns e listas de discussão. Foi parar até na imprensa.


Até aí eu não estava alimentando grandes expectativas. Depois de pesquisar melhor, percebi que de fato se tratava mesmo de um erro no site da empresa. Mas cá entre nós: quando você monta um negócio, tem que estar ciente dos riscos e arcar com estes, ainda mais se você é a fabricante mundial número 1 de computadores. Decidi: vou até o fim com esse “causo”, especialmente porque era a Dell. Na segunda-feira seguinte recebo a confirmação já esperada: meu pedido não seria cumprido. Respondo, e na seqüência inicia-se uma troca de emails (leia de baixo para cima).

Decidi ir à justiça para ver qual era desse tal de código de defesa do consumidor. Além de mim várias outras pessoas (incluindo meu pai) também deram entrada na justiça, movidos entre outras coisas, pelo desejo de ver o gigante fabricantes de computador se curvar a meros consumidores como nós. O fórum competente para estes casos é o JEC – Juizado Especial Cível. É uma ladainha danada saber qual é o juizado responsável pelo seu caso (depende do seu endereço de residência), mas basicamente você precisa: (1) pegar os dados da empresa – não importa onde ela esteja localizada, desde que seja em território nacional, (2) juntar o maior número de provas possíveis (emails, screenshots, etc), (3) montar uma petição inicial (existem exemplos aos montes) e “dar entrada” com o processo “na vara”. Não custa nenhum tostão, além do tempo que você vai perder entre escrever, filas e alguma paciência com funcionários públicos diversos nos fóruns (daqueles que colocam avisos nas paredes “DECRETO X: “desacato a funcionário público, X anos de prisão, blá, blá…” – por que será né?).

Nem preciso dizer que a justiça é demorada pacas, mesmo para processos no “pequenas causas”, cuja estrutura e funcionamento é feito para andar mais rápido que a justiça comum. Como de praxe uma audiência de conciliação foi marcada para dali um bom número de meses. Na audiência de conciliação a Dell mandou uma estagiária tão bobinha que deu dó. A menina não tinha nenhuma autonomia para negociar em nome da empresa, e por esta razão não houve nenhum acordo. Ficou marcada a audiência de julgamento para dali outros tantos meses (sério, perdi as contas). Entre a entrada do processo e o primeiro julgamento transcorreram-se um ano. No dia 29 de Agosto de 2006, em audiência com os advogados da Dell e um representante da empresa o Juiz deu ganho de causa a mim. Questão resolvida? Claro que não… um punhado de meses depois, a Dell resolveu recorrer da sentença. Uma peça com mais de 100 folhas, bastante elaborada e de uma safadeza sem tamanho (sim, advogados… eles são espertos). Desta vez eu estava tão de saco cheio (já haviam se passado 1 ano e meio desde o início do processo) que decidi largar mão e não contestei o recurso da Dell. Mas a minha argumentação seria de que, sim, eu sabia que exista erro. Mas assim como a Dell “errou” e por isso sentiu-se no direito de anular o negócio, eu também poderia ter “errado” e me “esquecido” de que não teria dinheiro para pagar a compra efetuada e por isso gostaria de desistir dela (depois de ter fechado e “assinado” um contrato). Em suma: a situação inversa, quando uma parte não pode cumprir o combinado por erro (técnico ou de julgamento – que não deixa de ser técnico). A diferença é que eu, como comprador que se “esqueceu” ou “errou no cálculo” e percebeu que não teria dinheiro para honrar a compra, certamente teria meu nome no SPC/Serasa, pagaria juros, e afins. A minha argumentação seria de que a empresa deveria arcar com os riscos de sua atividade, como qualquer personalidade (física ou jurídica) deve fazer, ainda mais quando o produto não estava saindo de graça ou por um preço irrisório.

Desisti e perdi. Uma juíza do Rio de Janeiro julgou em segunda instância que o meu pedido era improcedente, especialmente porque eu não contra-argumentei a apelação da Dell, ela chegou a mencionar que “o cliente parece desinteressado pela causa”. Processo encerrado. Meu pai, entretanto, ganhou em todas as instâncias. O argumento dele, além da inversão de situação (que expliquei acima) era o de que se trata de um mercado extremamente competitivo e promoções loucas podem acontecer (ele citou as promoções de companhias aéreas, com passagens a R$ 1,00, quando o preço normal às vezes é de mais de R$ 600,00 reais). O fato de ele ter sido considerado um “leigo” também pesou bastante na decisão dos juízes. Sorte do velho. Após o julgamento do processo dele, a Dell entrou em contato e ofereceu uma configuração interessante. Como o processador já não era mais fabricado, substituíram-no por um Core 2 Duo. O resto (RAM, gabinete e afins) continuou igual. Mesmo com a depreciação do tempo eu acho que ele fez um belo negócio, principalmente porque este modelo OPtiPlex tem um conjunto muito bom (placa mãe, gabinete, etc) e foi atualizado continuamente deste então.

Lá se foram 2 anos. Mesmo se eu ganhasse talvez não quisesse fazer cumprir a oferta (desde então eu já troquei de computador duas vezes). Valeu mesmo como experiência para conhecer a máquina enferrujada da nossa justiça, e também para desafiar um gigante da indústria de TI como a Dell. Não levei o PC, mas certamente os fiz sambar um pouco (e gastar dinheiro com advogados também).

Algumas conclusões da história:

  • Sim, seus direitos valem neste país desde que você tenha saco (e tempo) de correr atrás deles;
  • Sim, a justiça é lenta, e isso é um problema grande para casos envolvendo consumo de eletrônicos – pense duas vezes se realmente vale a pena brigar por um equipamento que estará obsoleto daqui há 2 ou 3 anos. Um esclarecimento importante: nestes casos a Dell não seria obrigada a te fornecer um equipamento atualizado. A culpa pela demora não é da Dell, e sim da Justiça. Se você quiser, pode processar a justiça e pedir um PC atualizado… mas você tem certeza de que gostaria de fazer isso?
  • Até onde eu fiquei sabendo, foi a primeira vez que a Dell teve problemas como este (erro no site) no nosso país. Servirá como precedente para futuras decisões e casos semelhantes, vale a pena conhecê-lo se você se interessa por isso;
  • A Dell certamente toma mais cuidado com seu website (sugiro fazer o mesmo se você tem um negócio online). As custas do meu processo com a Dell facilmente passaram da casa dos 20 mil reais. Multiplique isso pelos inúmeros casos idênticos (ouvi o advogado deles comentando que no Brasil haviam sido mais de 100, da mesma ocasião);
  • Não se intimide com o tamanho ou a importância de uma empresa. Ela é “igual” a você perante a Lei (ao menos na teoria) e senti que alguns juízes gostam de ir contra estas empresas gigantes, mesmo quando elas possuem um exército de advogados;
  • Se for para o pau com alguma empresa, seja honesto, porém duro na sua argumentação. Lembre-se da recíproca: se fosse você no lugar, eles certamente te poriam no pau sem dó, sem choro e sem vaselina.

Se me lembrar de mais alguma coisa, atualizo aqui.


14 Comments on “Meu processo contra a Dell”

  1. Luiz Rocha disse:

    E o coitado do estagiário que esqueceu do ponto-e-vírgula deve ter sido demitido, readmitido e demitido de novo. Umas 100 vezes.

    Acho que todos os caras “da área” perderam o processo. O legal saber que o seu pai levou. E eu não sabia que a Dell havia oferecido um “upgrade” nas máquinas que os leigos levaram. Isso é uma boa jogada, de certa forma.

  2. André Pessoa disse:

    Talvez você fique chateado com o meu comentário, mas a minha impressão é que a decisão da justiça foi correta nos dois casos, no seu (em que perdeu) e no do seu pai (em que ganhou). Mais uma prova de que justiça não é uma coisa “preto no banco” somente.

  3. Daniel Passos disse:

    Foi uma pena vc nao ter continuado com a “batalha” concordo que se eles fizeram besteira eles tem que arcar com as consequencias.

  4. Ane disse:

    Show! É raro ver um cidadão com tanto conhecimento em direitos do consumidor. Vc relata os fatos muito bem. O que achei estranho foi a divulgação da decisão que consta os dados pessoais dos advogados e juíz(es). Pode?

    Veleu! Um forte abraço e boa sorte.

  5. Alguém disse:

    É, a Dell não tomou os devidos cuidados com sua loja virtual, e hoje, voltou a cometer o mesmo erro, onde estava oferecendo 2 notebooks pelo valor de R$ 1749,00. O caso é que eles já tiraram o anúncio do ar e informaram que os milhares de pedidos que já foram feitos não serão processados.

  6. filipe disse:

    Alguém saberia me informar qual o endereço da Dell para que eu possa ajuizar uma Ação Judicial contra a mesma? Como sou do RJ, preferiria um endereço daqui para que não perca tempo com cartas precatórias e etc.
    Obrigado!
    ps: nunca comprem um Dell. Ele é bom, mas a compra dá uma dor de cabeça…

  7. filipe disse:

    segue um link de uma decisão sobre esse caso.
    http://www.bpiropo.com.br/ARfpc20060515.htm

  8. FERNANDO disse:

    Você é um sujeito sujo e desonesto. Você é o tipo de cara, que quando alguem se engana no troco a seu favor, você disfarça e sai rápido. Eu sou diferente. Se a outra pessoa errou (seja empresa ou não), sou honesto e aviso. Trouxa? Não, apenas honesto, comigo e com os outros. E pelo que vi, só pilantra lê essa sua reportagem.

  9. Danielle disse:

    A estória não está completa, viu, gente? Essa sentença foi revogada em grau de recurso, mas a pessoa, claro, só conta as pingas que tomou, não os tombos. Justiça foi feita. Acho incrível que alguém possa se vangloriar de ter comprado um computador por um preço que qq um sabe estar errado e pedir ao pai, ao irmão, ao vizinho, ao cachorro que aproveitassem a deixa. Isso não é exercício de direito. É a mais pura aplicação da Lei de Gerson. A propósito, a estagiária bobinha é quem está escrevendo isso.

  10. Daniela disse:

    Olá.
    Também preciso processar a DELL, mas eles não fornecem nenhum endereço físico. Prova da má fé da empresa. Vc teria, por favor?
    Obrigada

  11. ALAN disse:

    Olá, meu caso é bem parecido com o seu Alex, no caso eu comprei um notebook mx15 alienware da Dell no valor de R$3.000,00, eles me informaram que foi um problema no site, e eles não estão querendo honrar o compromisso. Moral da história abri um processo contra eles, o processo ainda esta rolando.

  12. Alan disse:

    O endereço da Dell, é o proprio site dela, conselho de amigo caso isso aconteça com vocês, sempre que efetuarem alguma compra pela internet sempre tirem “Print” das telas, porque isso vai ser muito útil no processo e é necessário.

  13. Casulo disse:

    A DELL nao esta nem ai com o pagamento de advogados ela paga o mesmo eles tendo ou nao ações no teu caso a DELL lucrou em nao honrar com o negocio e voce perdeu a oportunidade de lutar por seus direitos…