Passeata “Cansei” ontem em São Paulo

Apesar do frio, estive lá com o meu pai. Como muitos, recebi o convite pela Internet e fui, curioso para ver no que ia dar. A impressão inicial era de que seria um fiasco, dado o baixo número de pessoas e o chuvisco gelado, que machucava o rosto no descampado do Ibirapuera. Mas pouco antes da coisa começar, o público foi aumentando e pude ver demonstrações legítimas de indignação e de raiva ao longo de todo o percurso. Valeu a pena ter ido, mesmo com críticas e alguma hipocrisia (por parte dos organizadores inclusive) na exploração do acidente da TAM como “gota d’água” para a manifestação.


Sim, foi uma passeata da classe-média-alta. O ex-governador de São Paulo, Claudio Lembo, se adiantou (depois do evento, claro – afinal nada melhor do que ser técnico de segunda-feira…) a dizer que foi uma passeada de dondocas e de “gente branca”. Ué? Qual o problema com isso? Ser da “elite” e branco tira a legitimidade de alguém protestar neste país? Por este raciocínio tacanho só faltou o vampiro deprimido dizer que só quem faz parte da velha massa de manobra agraciada por projetos assistencialistas (leia-se: compra de votos travestida de ajuda social) pode protestar neste país. Se liga Claudio Lembro, qualquer um tem o direito de protestar, seja pé rapado, seja dondoca. Este não é o cerne da questão.

O cerne da questão é: o que estava sendo reinvindicado e o que se protestava ali? Neste aspecto, confesso, havia pouca clareza, por parte da organização do evento inclusive. De minha parte (e meu pai também, apesar de ele ter outros motivos), fui protestar por algumas coisas básicas: (1) contra nossas cias aéreas, que brincam com a vida dos passageiros impondo escalas de trabalho insanas e aviões que não podem ficar parados por nada, (2) pela falta de investimentos em infra-estrutura geral no país (apesar da maquiagem chamada PAC e da borracha na questão ambiental/social de alguns empreendimentos), (3) pelo caráter meramente político que as agências regulatórias adotaram neste governo, quando deveríamos ter quadros meritocráticos e técnicos (chega de corrilegionários incompetentes) e (4) contra o nosso governo, já que nunca acreditei na conversa para boi dormir, na propaganda do PT e na farsa do presidente Lula. Estas eram as minhas razões por estar ali. Encontrei várias pessoas com as mesmas razões, não necessariamente na mesma ordem.

Essa multitude de reinvindicações por parte de quem organizou e comandou a caminhada pode ser (e foi) confundida com um protesto vazio, daqueles que protestam por tudo, mas ao mesmo tempo por nada. Senti que a organização do evento tentou se vestir de um manto de pureza e imparcialidade, mas não conseguiu esconder algumas coisas óbvias: sim, os manifestantes eram em sua maioria oriundos da classe média, contrária ao governo atual e historicamente preocupada com o próprio umbigo (quando deveria ser mais preocupada com o país todo, dado seu nível de acesso ao conhecimento e educação). Era um protesto contra o governo, utilizando como “link” uma questão delicada: o acidente da TAM. As homenagens prestadas podem até ter sido sinceras, mas no fundo foram apenas um joguete para desviar atenção do óbvio: foi um protesto contra o governo, ponto final. Teria sido mais simples colocar as coisas assim. Não haveria margem para interpretações. Afinal, este governo tem partido, nome, barba e perna curta (assim como a mentira). Eu não vejo problema nenhum (pelo contrário) em dar nome aos bois. Em suma, não vejo problema em se fazer um protesto onde a palavra de ordem seja FORA LULA ou FORA PT (e derivados), nomeando e apontando claramente, ao invés de um subjetivo RES-PEI-TO (que foi entoado de forma puxada pelos organizadores). Eu até entendo a intenção dos organizadores: não politizar a coisa, mas infelizmente isso é algo muito difícil de se fazer quando se critica o governo, de qualquer país. Qualquer tentativa em contrário, em “apartidarizar” a coisa será taxada como hipocrisia. Se envolver um governo como o do Lula (“o operário”) versus a classe média, vira aquela velha ladainha da disputa de classes, que 9 entre 10 “comentaristas” políticos teimam em enxergar. Se envolver uma tragédia (o acidente da TAM) então… tem grandes chances de não ser levado a sério por uma parte importante da população que sabe que o governo não é o único responsável pelo acidente.

Sim, o governo tem a sua parcela de culpa no acidente, por ser leniente com as cias aéreas, em minha opinião as principais culpadas pelo acidente (papo para outro dia). Mas o governo acabou sendo o alvo maior do protesto, e os organizadores sabiam que isso inevitavelmente iria acontecer. Tentaram, em vão, esconder isso. Besteira das grandes. Acabou virando um protesto cujos motivos oficialmente apontados (homenagens e um grito de basta!, respeito! e afins) foram apenas pano de fundo, de forma muito clara e descarada. Esse foi o erro dos organizadores e de quem embarcou nessa. Todo o resto (incluindo quem estava lá, rico ou pobre), foi absolutamente legítimo e válido. Eu fui para manifestar, entre outras coisas, a minha insatisfação com este governo e não escondo isso. Eu não fui para homenagear as vítimas, os familiares, os bombeiros, etc. Pode parecer rude, mas sinceramente acredito que consolar é algo que se faz em particular ou em um público restrito, jamais em público, muito menos num protesto/passeata como aquela. Homenagear, vá lá. Mas não da forma insípida e irrisória como foi feita. Sei lá… pode ser que eu esteja errado, mas acho que as duas coisas não combinaram (a suposta homenagem e na seqüência a porrada contra o governo). Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ficou um cheiro ruim no ar, um cheiro de que usaram os bombeiros, a polícia e a defesa civil como desculpa para descer a lenha no governo, coisa que a maioria (como eu) estava afins de fazer lá, e não tinha motivo algum para esconder isso. E os críticos estão fazendo a festa justamente por isso. Estão dizendo: “é tucanagem”, quando não foi, de fato (veja mais adiante).

A moral da história: foi uma manifestação política legítima e apartidária. O único problema foi querer “santificar” e misturar um acidente triste (que talvez, repito: talvez pudesse ter sido evitado – e eu me incluo nisso, uma vez que como usuário, adoro o conforto e a proximidade de Congonhas) com insatisfação do governo. Foi apartidária sim, por mais que digam o contrário e teorizem os petistas e seus cupinchas “top, top”. Eu presenciei algo muito legal, digno de nota: logo no começo da passeata, um grupo de pessoas apareceu com bandeiras do PSDB e foram impedidos de hasteá-las. Foram vaiados e escurraçados de forma bastante clara (veja vídeo que fiz aqui). Os participantes (eu incluso) que escurraçaram os militantes do PSDB certamente poderiam estar alinhados com o partido e poderiam ter liberado as bandeiras numa boa. O PSDB é uma oposição pífia, desorganizada e inescrupulosa, mas é a única existente (infelizmente) frente aos destamperos do governo federal atual. Entretanto não tiveram vez naquela passeata. A “escurraçada” partiu dos próprios manifestantes, não houve intervenção da organização (que estava bem longe, no carro de som). Da mesma maneira, certamente não haveria espaço para outros partidos políticos. Os manifestantes até poderiam apoiar o PSDB, mas não naquele momento, naquele lugar. As bandeiras (e os cabos eleitorais) do PSDB não puderam aparecer. No lugar sobrou uma manifestação real contra o governo, verdadeira e espontânea. Uma manifestação sem ligação (e agitação) promovida por um ou dois partidos políticos. Eu me lembro bem dos caras-pintadas (eu estava lá também para matar aula) e de outras manifestações contra o governo FHC ou qualquer outro governo de direita ou centro-esquerda (se é que isso ainda existe): todas elas tinham forte carga partidária fomentada, alimentada e agitada pelo PT, PCdoB, CUT, PSTU e pelos subservientes “estudantes” da UNE (que diga-se, é um ninho de “revolucionários” cabeças-ocas, daqueles que tomam Todinho todo dia de manhã e sonham – secretamente – viver sob o regime militar para quem sabe, a vida fazer algum sentido). A manifestação de ontem, apesar de entoar um claro “Fora Lula!” não tinha gente de partido nenhum, pelo menos não segurando bandeiras e gritando palavras de ordem, como costumeiramente vemos em manifestações antigamente organizadas pela “esquerda”. Foi portanto uma manifestação espontânea, do início (nos convites) ao fim (nos gritos de Fora Lula!). Os que ali estavam, sejam a elite do país, sejam apenas brancos, não estavam satisfeitos com o governo. Não estavam de forma legítima, espontânea e verdadeira. Por esta razão, para mim, foi uma manifestação até mais significativa do algumas outras do gênero, no passado, onde viámos bandeiras vermelhas tremularem e gritos de ordem pré-fabricados em diretórios partidários, já bem conhecidos. Os que gritavam no passado estão aí, nomeando cargos e desmantelando agências reguladoras (talvez porque eles sejam contra as privatizações, vai saber…).

Valeu a pena, foi no mínimo uma manifestação diferente, apesar de ter abordado, repito, um assunto delicado e não tão propício para a ocasião.

As fotos que bati podem ser vistas aqui.


4 Comments on “Passeata “Cansei” ontem em São Paulo”

  1. Alex Hubner disse:

    hehehe. Sem dúvida, este é um barulho BEM necessário. Vou escrever sobre isso em breve.

  2. Eduardo disse:

    Alex, parabéns pela postagem, com uma super quantidade e qualidade de imagens e um texto absolutamente pertinente. Estou de acordo com tudo que você coloca! Este é o início de uma longa jornada! E com bem disse, no início parece que não vai decolar, mas tenho confiança e esperança no povo brasileiro. Ele pode e deve ser ACORDADO.

    Forte abraço.

  3. E disse:

    Alex, de novo para dizer que fiz uma homenagem à sua postagem, hoje no Varal. Obrigado por tudo.
    Forte abraço.