Suspiro de bom senso 2

Depois de abolir a obrigatoriedade de software livre em detrimento da meritocracia (onde prevalece a melhor solução custo/benefício, independente se é aberta ou não) nos telecentros da cidade, a prefeitura de SP amplia essa política para toda a prefeitura, mostrando que o bom senso não deve ser limitado a uma ou outra iniciativa, mas deve existir em toda máquina pública.

Leia a notícia em: Software livre não é prioridade em SP, diz secretário

Entre as justificativas pertinentes para esta mudança, destaco algumas palavras de Januario Montone:

“Essa é uma discussão irrelevante. Precisamos dos softwares que são mais baratos e que executem as tarefas necessárias. Nesse contexto, nem sempre o software livre é o que procuramos”

Ou ainda

“Não posso discutir se o software é livre ou não em um momento em que trabalhamos a integração dos sistemas”. “A discussão sobre software livre é mais ideológica do que técnica”.

Será que é tão difícil enxergar o óbvio? Aparentemente sim (para alguns). O mundo é heterogêneo, ninguém tem a resposta para todos os problemas, e é da diversidade que se tira as melhores soluções. Forçando software livre (ou qualquer outro modelo, aberto, fechado, não importa, importa sua imposição ou não) mata-se na raiz esta possibilidade. É uma discussão longa, cujos argumentos nem sempre são entendidos por aqueles que se dizem defensores do SL, mas que no fundo só se interessam pelo fato de ele ser grátis, ou apoiam convenientemente a política do governo simplesmente porque ela é favorável ao movimento, não importando a validade e as conseqüências (meios pelos fins) disso. E antes que me venham com a velha ladainha de MS versus o mundo: (1) não se combate monopólios criando-se barreiras ideológicas, muito menos criando-se regulamentações abusivas, reacionárias e restritivas do tipo, (2) software proprietário não se resume a Microsoft.

Ao se combater o suposto monopólio da Microsoft (monopólio existente, diga-se, apenas no caso do sistema operacional de desktop e na suíte de escritório) como faz uma torcida de futebol (cujo raciocínio é movido pela paixão e pouco pela razão), varre-se do mapa a possibilidade de se usar qualquer outro software proprietário notoriamente decente, funcional, rápido, seguro, e cujo custo de licenciamento é irrisório perto do custo total da solução (mão de obra, treinamento, suporte, etc) – alguns chegam ao absurdo de dizer que o conceito de TCO e/ou TCU são conceitos errados, como que contrariando as leis da matemática, onde 1+1 são 2 (mesmo quando o conceito é usado a favor de software livre – é aquela velha história: se é para endosar, vale tudo, caso contrário, não vale nada, é tudo mentira, é interesse, é conspiração, é…). Ou então, o que é pior: nega-se a possibilidade de se usar um determinado produto/solução que por não possuir similares abertos, é simplesmente deixado de lado, para prejuízo dos usuários e da população (vide os casos de usuários portadores de necessidades especiais nos telecentros da cidade. Optou-se pelo Windows XP sabiamente neste caso). Mas este não é um exemplo isolado, existem inúmeros outros, em áreas onde as soluções abertas não se comparam às fechadas existentes (ainda). É o caso da área gráfica por exemplo. Quem bate (ou mesmo se equipara) à softwares como Photoshop, PageMaker, Premiere ou mesmo o famigerado Corel? Ahh… estes são fechados, não podemos usar… Ridículo, contraproducente e absolutamente partidário. E depois ainda tentam justificar a coisa usando uma visão “big picture”, onde o software aberto proporciona liberdade de escolha. Eu pergunto: qual escolha? Soa até como se estivéssemos fartamente servidos de soluções abertas para todos os propósitos e necessidades existentes (e atuais). Isso como sabemos está absolutamente longe de ser real. Na verdade, temos, na arena de código aberto, uma profusão tão grande e caótica de alternativas, que poucas delas conseguem destaque e se tornam soluções realmente completas, integráveis, expansíveis e (principalmente) interoperáveis. E quando o fazem, como que por ironia do destino, acabam adotando um modelo semi-fechado, semi-aberto (melhor dos dois mundos?), vide MySQL, PHP e distribuições Linux de grife.

Alguns argumentam: se não tem no mercado, é só fazer (ou melhorar) algo existente… Ah claro, outra afirmação do tipo “não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. A que custo? Quem da prefeitura de SP vai pegar um fonte de um programa do porte do Gimp (por exemplo) e adicionar módulos de edição de vídeo e afins? Existe estrutura para isso dentro da prefeitura? Devemos pagar para ter essa estrutura na prefeitura? Ok: a “comunidade” faz esse trabalho? Se faz, em qual velocidade e comprometimento? Isso está de acordo com as necessidades da prefeitura? Para responder devemos lembrar: tecnologia é meio, não é fim. Pelo menos é assim que (para o bem do bolso dos contribuintes) governos e empresas deviam pensar.

Decisões racionais devem ser tomadas em detrimento das emocionais e ideológicas. O dinheiro não é seu? Então use-o da melhor maneira possível. E é justamente este o caso de qualquer órgão público. Parabéns à prefeitura: deixou o debate político e ideológico de lado e está se atendo ao debate que interessa à todos contribuintes: o técnico.

UPDATE: se você chegou até aqui via BR-Linux e já está doidinho para postar um comentário ácido, peço gentilmente que páre, reflita e poste algo que se atenha única-e-exclusivamente ao tema que aqui está sendo tratado: adoção de software livre no governo brasileiro (em todas as instâncias). Deixe trollismos e outras coisas estúpidas de lado, eu não vou responder (e provavelmente vou deletar o comentário). Se quiser conhecer minha opinião sobre o que a Veja publicou, leia aqui e especialmente aqui.


9 Comments on “Suspiro de bom senso 2”

  1. Rodrigo Costa disse:

    Qndo li essa materia na IDG Now penssei na hora!
    “O Alex vai postar ” kkkkkkkkkkk concordo plenamente!

    Abraços

  2. joao araujo disse:

    Só pra constar, li essa declaração, vinda de um dirigente de uma associação londrina de incentivo ao software livre, sobre a adoção de SL nas universidades londrinas:

    “Ideally open source VLEs should be considered on their merits beside the proprietary systems.[…] The important thing is that institutions are selecting the best software solution for their needs. If that happens to also be open source software, that’s great.”

    Dito assim parece uma conclusão tão óbvia. Mas, como diz o ditado, “o pior cego…” 😉

  3. Alaro disse:

    A discussão sobre Software Livre muitas vezes é ideológica. Mas não precisa ser.

    Ela pode, e na minha opinião *deve*, ser puramente técnica.

    Se alguém acha que o Software Livre é melhor que o Software Proprietário por questão ideológica, não entendeu nada.

    Meritocraticamente falando, o Software Livre é, quase sempre, melhor. Não sempre. Quase sempre. Por questões técnicas: estabilidade, segurança, adaptabilidade, garantia de continuidade do serviço independente do fornecedor (você tem acesso ao código, pode prosseguir), respeito aos padrões, eficiência do código devido a auditoria ampla (quanto mais olhos no código, menos falhas passam despercebidas), etc.

  4. Manoel Pinho disse:

    Eu sinceramente nunca soube de uma lei ou projeto de lei que OBRIGASSE o uso de software livre, até porque seria impossível.

    Todos os projetos eram no sentido de obrigar a PREFERÊNCIA na adoção de software e soluções livres e vejo isso como uma extensão natural e clara do conceito de licitação que já é usado há muito tempo nas compras governamentais. Assim como existem licitações onde ganha quem apresentar o melhor preço, há outras em que se avalia o preço e a técnica.

    Portanto eu sou A FAVOR sim da PREFERÊNCIA da adoção de SL nos governos, até porque não se trata de apenas economizar dinheiro, mas ter conceitos importantes como independência de fornecedor, garantia de uso de formatos de arquivos documentados (tendo o código fonte do programa já é uma forma de documentação) e não patenteados, uso quase sempre em mais de uma plataforma, etc.

    Lógico que há certos casos em que é mais barato adquirir uma cópia de um software proprietário do que treinar funcionários, reescrever aplicativos ou outras adaptações. Mas se houvesse esforços coordenados no sentido de compartilhamento de soluções e experiências entre as várias esferas governamentais, o custo disso seria bem menor. Quer um exemplo ? Se uma prefeitura maior e mais rica que fizesse um determinado aplicativo para alguma coisa que é usada por milhares de outras prefeituras no Brasil todo, por que não compartilhar o código, materiais de treinamento, know-how, etc ? Se um ministério adota o OpenOffice.org e para isso prepara materiais de treinamento em forma de apostilas e conteúdo multimídia, por que não disponibilizar ?

    No exemplo que você citou dos telecentros, concordo contigo que o windows seria a melhor e única solução para o uso por deficientes (pelo menos por enquanto), mas usar windows nas máquinas de uso geral para navegar é puro desperdício de dinheiro e um suicídio em termos de segurança (supondo o uso do IE). Algumas universidades, como a UFRJ com o seu dosvox, poderiam aproveitar a ocasião da adoção do linux nos telecentros para pesquisar e implementar soluções para o acesso por deficientes.

    O custo inicial do SL pode ser maior inicialmente em certos casos mas os críticos deveriam ver isso como um investimento. É como dizer que é besteira financiar uma casa própria porque a prestação é mais cara do que o aluguel. Só que no final de um determinado tempo, a casa será de quem financiou e quem mora de aluguel continuará pagando para sempre.

  5. João Vagner disse:

    Será que o Senhor Januário Montone, entende algo sobre integração, manipulação de informações? TI talvez…

    Bom, se ele “acha” que Software livre não serve, que seja, mas aposto que lá dentro não tenha um Open Office, um linux nos servidores, hahah 😛

  6. RJP disse:

    Open Source > Free Software.

    😉

    E eu prefiro Eric S. Raymond ao Richard M. Stallman. =D

  7. Leonardo disse:

    Perfeito Alaro.

    Engraçado apontar questões ideológicas como se fossem as principais e/ou únicas razões da escolha por SL. Como se a opção do software proprietário fosse uma escolha puramente técnica, o que claramente que não é, visto as declarações dos CEOs da MS do Brasil…
    A matéria, como várias outras da Veja, é claramente tendenciosa, obscurece os fatos e toma, como sempre, as dores de uma direita aborrecida, com um tom azedo e reclamão… mais chatos e esbravejantes que os tb chato e esbravejantes do SL… Sinceramente, não vejo motivo algum pra levar a sério esta matéria, e mesmo a revista, se não por pura ignorância…

  8. ednei disse:

    veja isto

  9. Teófilo Alenquer disse:

    Não entendo essa coisa do ideologismo do software livre, na verdade, de software livre entendo muito pouco, mas na minha casa minha esposa, advogada, usa ubuntu no notebook, minha filha de 6 anos usa ubuntu no desktop dela, e eu há mais de 1 ano e meio nem mais pertição windows tenho. Não utilizamos NENHUM software pirata, não por ter algo contra, mas porque tudo que rodamos no ubuntu, de texto a edição de vídeo, é software livre. Ai, se aqui o ubuntu atende tão bem às nossas necessidades (distintas, dos tres membros da família) não entendo como não possam atender em um telecentro ou orgão governamental. Ai, porfim, se atende muito bem e é livre, melhor deixa o dinheiro público para gastar com saúde, educação e segurança, onde se precisa muito. Portanto, acho correto a OBRIGATORIEDADE do uso do software livre no setor público, até porque já é uma compra a mesmo que zé-gravata vai ter para sobrefaturar.